Graciliano Ramos, o porta-voz dos ciclos permanentes

Foto: Arquivo público do estado de São Paulo

Por: Barmonte | 25-10-2021

Graciliano era a voz da consciência a narrar toda a fartura perseguida pela ausência. Num espécie de filme vivido, viu heróis e inimigos, privilégios e castigos, boa sorte e maldições. Em seu olhar narrado com grande riqueza, ria aquarelas imaginárias onde a natureza e toda sua beleza, faz o pasto verdejar, a neblina enevoar-se e num simples sopro, vê poeira, e escassez. Vê também a nudez e a crueza da morte, carregada pela sequidão.  Num mundo fértil, imaginário, dolorido, incompreensível, mas observável, pelas brechas que a vida lhe permitia espiar.

As pessoas a sua volta eram como personagens de um enredo sem pausas. Verificava os traços, os trejeitos, os vícios, qualidades e defeitos e até na forma da cidade, transportava-se para o alto e enxergava lá de cima o corpo aleijado chamado Buíque. Venerava a velha Maniçoba, recordava a bonança dos tempos chuvosos e devastação do verão sertanejo no Pintadinho. Recordava as rezas do pai e o estranho latim rezado pela esposa de um vaqueiro seu.

Montanhas de grãos de milho servira como distração. Atormentado pelos fantasmas que desciam e subiam sem cessar, parecia à sua frente projetar, os medos daquilo que ainda não compreendia. O que diriam os sapos à beira do açude da Penha? O que diriam os filhos de Teotônio Sabiá? Nunca se soube, porque nunca pôde ir até eles. Graciliano vivia aprisionado e a única brecha de fuga, eram os olhos, a mente e os ouvidos.

Um exercício frequente, onde a busca pelo entendimento das coisas confusas a sua volta o fizeram ser quem foi. Graciliano teve por escola inicial, a vida vivida em Buíque. E talvez tenha conhecido mais da cidade estando preso por trás de muros, do que os que viviam à solta pelas ruas e estradas. Sua mente, tal qual o sobrenome, tinha ramos que alcançavam confins do mundo. Para nele externar outros mundos, no universo dos livros e assim, tornar-se parte de um mundo em que os que morrem, sobrevivem. Graciliano Ramos de Oliveira é planta abstrata, amarga e singela, simples e complexa, avessa e inversa. É como um cacto em meio à caatinga. Que floresce e espeta e espera na sequidão os dias chuvosos. Que revela em vidas secas, as marcas encrustadas a cada pedra e cada face enrugada, carregada por experiências de morte e sobrevivência. Revivida em ciclos permanentes, numa terra de reis e rainhas pobres, cujas coroas estouram no solo e absorvem a plenitude do sol. 

Graciliano foi um menino que habitou o corpo de um homem que fotografou a essência do interior nordestino e o Buíque de seu tempo, usando apenas palavras.

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