TE(R)ÇA COM CYL GALLINDO: DEPOIMENTOS DE MAURO MOTA E PESSOA DE MORAIS NO LIVRO "AGENDA DO RECIFE - 1968"


A matéria de hoje está contida no livro “Agenda Poética do Recife – ANTOLOGIA DOS NOVÍSSIMOS” que foi organizado pelo escritor e poeta buiquense Cícero Amorim Gallindo (Cyl Gallindo) e publicado em 1968. Vamos entender um pouquinho da importância deste livro na memoria e história dos escritores pernambucanos, através dos depoimentos de Pessoa de Morais e Mauro Mota. O Grupo de Leitores Cyl Gallindo tem a missão de manter viva a memória do filho ilustre da cidade de Buíque, um lugar riquíssima em cultura. 

Obs. Os depoimentos serão escritos mantendo a ortografia do ano de sua publicação.

PESSOA DE MORAIS

A mais jovem geração de Pernambuco desponta dessas páginas de antologia poética em tendências às vêzes divergentes e múltiplas, porém quase sempre vigorosas e cheias de válidas sugestões literárias.

É uma geração essa que recolhe antigas disponibilidades líricas do Nordeste, associadas aos inícios de uma consciência plenamente urbana e social, que o Recife, já agora, principia a ampliar.

Por isso mesmo, começa a aparecer nessa geração, um tipo de sensibilidade que combina os rasgos subjetivos ou efusivamente líticos da linguagem, com outras tantas tendências. Entre elas, a mais importante é talvez a presença, em alguns representantes dessa geração, não apenas de esbôços de uma temática nova, porém da busca ávida de novos e impressentidos territórios poéticos. De novas ou inusitadas regiões da sensibilidade artística.

Acho mesmo que, no Recife, essas formas tenderão, crescentemente, a associar o lírico ao existencial. As emoções íntimas da sensibilidade aos novos caminhos de vivência ou de cultura que os novos estilos de vida vão impondo, de agora por diante.

O grupo de poetas dessa antologia, constitui, assim, ao meu ver, uma importante imagem dessa transição. Imagem por vêzes significativa nos traços líricos de sua sensibilidade estética, ou em suas novas experiências lítico-existencial.

O incentivo dessa iniciativa de antologia coligida neste livro, pelo poeta Cyl Gallindo, ficará, assim, por certo, como valioso elemento dessa histórica transição.

Recife, junho de 1967.

MAURO MOTA

AGENDA POÉTICA DO RECIFE – O que poderei dizer sôbre AGENDA POÉTICA DO RECIFE que CYL GALLINDO organizou com tanto gôsto, inclusive o de minibiografar os jovens autores reunidos? Talvez nada, Joaquim Cardozo, num prefácio hábil e erudito, tão minucioso que se refere a cada antologiado de modo específico, o próprio antologista e o sociólogo e crítico Pessoa de Morais, já disseram tudo, e muito bem.

De nôvo, diante do que já foi escrito, existiria só a anotar a ambiguidade no título. Pois, sendo AGENDA POÉTICA DO RECIFE, nenhuma poesia tem sôbre o Recife, embora tenha sôbre Olinda, Hiroschima e a entardecer em Rússia.

Mas isso é uma boutade para chamar a atenção do principal tão favorável à Agenda: a insubmissão dela a fatôres geográficos, às tiranias localistas, sem que ocorra o virar-de-costas ao regional substância universalista, expressão já usada muitas vêzes. Sem negar as origens telúricas, sem desprender-se delas, e da formação, em alguns dêles, claríssimas, os jovens poetas têm peito: saem de uma cidade para um mundo com fôrça  e ânimo para chegar muito cedo. O que mais os valida, nesse caso, é só comparecerem juntos neste livro, pois, senão todos, diversos abrem e seguem o próprio caminho fora do âmbito e maneirismos, que levam à pluralização dos ecos de uma fala única.

Se alcança a poesia através do poema, o poeta dispensa-se de agredir o recato ou a saúde do poema, de apresentá-lo nu ou ferido. Olhai o pudor, o silêncio, a introspeção de uma maçã, por exeplo. Pode ser doce ou ácida, mas não precisamos cortá-la para saber que é uma maçã.

Vive o poeta num mundo mítico, sem vínculos com o lógico. Move-se num mundo de símbolos, ou o mundo de símbolos move-se dentro dêle. O seu dilema é criar esse mundo ou ser destruído. A linguagem instrumental tem nêle uma função acessória e servil, as cordas de onde o poeta vai tirar a sua voz. Êle dá comêço a uma nova sematologia. Em suas mãos, as palavras chegariam em estado de sementes. Sementes boas ou más. A arte poética seria distinguí-las e fazer as conexões na cultura. E então a flor nasceria na jarra da janela ou na estufa, com o mesmo viço.

Sem essas conexões, é difícil levar-se o vocabulário a um estado anímico-poético. Eis a arte poética: a arte de juntar as palavras. Essa junção quando obtida além dos vínculos primários da ordenação lógico-gramatical, confere às palavras sexo e fecundidade, purifica a etnia das palavras, abre-se a novos conteúdos. Os novos conteúdos desta antologia marcante de uma geração pernambucana, mesmo assim já tão bem identificada coma a expressão poética.



Recife, 16 de julho de 1967

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