FRAGMENTO DA PROSA "LÁ FUI AMIGO DO REI" DO ESCRITOR BUIQUENSE CYL GALLINDO, RELACIONADO AO TAMBÉM ESCRITOR MANUEL BANDEIRA

Imagem: Arquivo/Grupo de Leitores Cyl Gallindo
Inúmeras pessoas pediram-me que escrevesse sobre o meu convívio com o poeta Manuel Bandeira. Um deles foi Carlos Drummond de Andrade, ao receber, em 1971, o meu primeiro livro de poemas, sobre o qual disse: “Li A Conservação do Grito-Gesto e senti a autenticidade de sua poesia, logo pelo ‘Oferecimento’ inicial, que a justifica. Juízos valiosos apóiam essa criação poética, livre e interessada na condição humana”. A seguir, o poeta reclama de não nos havermos conhecido antes: “pernambucano é como mineiro, que prefere o silêncio?”

Waldemar Lopes foi outro que insistiu para que eu divulgasse minhas vivências com o homem de Pasárgada. Não escrevi sobre Bandeira, como não o fiz sobre Joaquim Cardozo, Câmara Cascudo, Mauro Mota, Plínio Doyle, Ascenso Ferreira, Vinicius de Moraes, Nélida Piñon, Luiz Gonzaga, Sivuca, Carlos Estevão, o português David Mourão Ferreira, o angolano Óscar Ribas, o holandês August Willensem, tradutor de Graciliano Ramos, Drummond e Lêdo Ivo, e tantas outras grandes amizades. Temia ser acusado de usar amizades para promoção pessoal.

Ademais, eu estava numa faixa etária em que não se briga mais por uma tampinha de garrafa, ou um carrinho, mas que também não se dá a menor importância para aposentadoria, estabilidade, status social ou coisa que o valha. Apenas e tão-somente, eu, despretensioso, gostava da companhia de pessoas idosas, especialmente da de Bandeira, que vinha mais ao meu encontro do que eu ao dele, com o seu espírito jovem, irônico e vadio. Que, se lhe fosse possível, entregaria ao corpo as obrigações e ia viver em Pasárgada, para correr de bicicletas, namorar prostitutas bonitas. Via nele a mesma dimensão do meu avô, Miguel Pinto do Amorim, advertindo: “Sabedoria, quando é demais, vira bicho e come o dono.”

Invade-me agora um brutal arrependimento pela relutância, visto que importantes detalhes naufragaram no tempo. Nem mesmo sei dimensionar a tarde daquele domingo anestesiado, 13 de outubro de 1968, em que ouvi a imprensa anunciar o seu falecimento. Morria um mestre, um amigo, um irmão, ou o meu pai? Não desesperei com a morte do poeta, ele próprio a esperava com galhardia. Atormentava-me a idéia de não saber administrar sua ausência. Eu podia ter escrito sobre esses momentos, e os guardado, assim como podia ter, pelo menos, algumas fotografias em sua companhia. Essa relutância, porém, não evitou que Nilo Pereira, em artigo no Jornal do Commercio, 1971, comentasse: “Gallindo foi um dos mais fiéis amigos de Manuel Bandeira e da sua poesia. Mas ao criar o seu mundo, põe nele todo cunho pessoal, uma essência humana que me parece vir, quase toda, de um sentimento universal”.

Ao tempo em que o gaúcho de Caxias do Sul, poeta Carlos Nejar, ao ler Conservação do Grito-Gesto, firma-se também como um dos “juízos valiosos” indicados por Drummond e declara: “Há poemas inesquecíveis, como ‘O destino das almas em versículos’. Sente-se na sua poesia a presença da terra – o que é importante; e o domínio da palavra casa. Seja ela ‘Teresa’, ‘Eco’, ‘Laisser-faire Laissez-passer’”. Exatamente o poema feito em homenagem a Bandeira, que aparecerá no final deste texto.

Anos depois, o diretor da Editora Livros do Mundo Inteiro, escritor Rezende Filho, ao me apresentar na coletânea O Urbanismo na Literatura, completava: 

“Foi devido à sua fascinação pela Literatura que Cyl Gallindo conseguiu privar da intimidade de Manuel Bandeira, a quem servia como discípulo devoto em pequenas tarefas, principalmente a de lhe fazer companhia, às quintas-feiras, no percurso de seu apartamento à Academia Brasileira de Letras.”

Trecho da "Prosa - Lá fui amigo do Rei - de Cyl Gallindo". Extraído da Revista Brasileira. Fase VII. Outubro-Novembro-Dezembro 2008. Ano XV. N.o 57

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