O PASSADO É O PRESENTE NA LEMBRANÇA
Ricardo Reis
Se recordo quem fui, outrem me vejo,
E o passado é o presente na lembrança
Quem fui é alguém que amo
Porém somente em sonho
E a saudade que me aflige e a mente
Não é de mim nem do passado visto,
Senão de quem habito
Por trás dos olhos cegos.
Nada senão o instante, me conhece.
Minha mesma lembrança é nada, e sinto
Que quem sou e quem fui
São sonhos diferentes.
Nasceu no Porto, estudou num colégio de jesuítas, formou-se em medicina e, por ser monárquico, expatriou-se espontaneamente desde 1919, indo viver no Brasil. Era latinista por formação clássica e semi-helenista por autodidatismo. Na sua biografia não consta a sua morte, no entanto José Saramago faz uma intervenção sobre o assunto em seu livro O Ano da Morte de Ricardo Reis, situando a morte de Reis em 1936.
Ricardo Reis (19 de setembro de 1887) é um dos três heterônimos mais conhecidos de Fernando Pessoa, tendo sido imaginado de relance pelo poeta em 1913 quando lhe veio à ideia escrever uns poemas de índole pagã.
QUASE
Sá Carneiro
Um pouco mais de sol – eu era brasa,
Um pouco mais de azul – eu era além,
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma
O grande sonho – ó dor! – quase vivido..
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim – quase a expansão...
Mas na minh’alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve no começo... e tudo errou...
- Ai a dor de ser-quase, dor sem fim... –
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se enlaçou mas não voou...
Momentos de alma que desbaratei..
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol – vejo-as cerradas;
E mãos de heróis, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto.
Das coisas que beijei mas não vivi..
Um pouco mais de sol – eu era brasa,
Um pouco mais de azul – eu era além,
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Mário de Sá Carneiro nasceu em Lisboa, em 19 de Maio de 1890. Depois dos estudos secundários vai para Paris em 1912, com a ideia de estudar Direito. No mesmo ano publica “Princípio”, livro de contos. Em 1914, passando féria em Lisboa, junta-se a Fernando Pessoa e em 1915, com outros lança a revista Orpheu.
Seu poema “Quase”, uma de suas obras-primas, estampa essa luta de gênio louco imerso na febre da ambivalência, como quem ingere beberagens extravagantes e alucinógenas; leia admire e condoa-se:
Textos: Ricardo Reis e Sá Carneiro
Dicas de: Clara Peixoto
Postagem de: Leonardo Silva
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